Cheguei num avião poeirento, aborrecida e cheia de sono.
Esperavas-me. Eu não te conhecia, mas reconheci-te assim que te vi.
O meu colar de contas em código morse dizia: "you had me at hello".
"You had me at the first smile", pensei, e o sono foi-se, o rosto iluminou-se e achei
achei mesmo
que, se calhar, já te conhecia há muito tempo. Ou apenas estava à tua espera:
tu esperavas-me no terminal e eu esperava-te lá onde a vista não alcança, onde as nuvens não chegam e tudo se parece com o que é.
Fomos a casa por as malas e eu achei que ficaríamos por ali (tinham-me dito que Luanda está um perigo), mas a casa era de homem solteiro - chamaste-me guerreira por aceitar isso tão bem, o rolo de cozinha no quarto de banho, o frigorífico vazio (havia chocolate, e os iogurtes fora de prazo), as roupas espalhadas pelo quarto, as camas por fazer, as máquinas por toda a sala, o cinzeiro que era um pacote de sumo de manga - de modo que resolvemos sair para almoçar, matar a fome e a saudade do que não conhecia.
É muito provável que eu não volte a ser a mesma depois desse almoço na Ilha, é muito provável que acredite em coisas antes impossíveis de imaginar, é muito provável que sofra bastante e que me saiba bem essa dor, é muito provável que, daqui para a frente, a esperança na humanidade se renove e o amor tenha mais crédito.
"Estou aqui para tomar conta de ti, não tens que te preocupar com nada". Mordeste um pedaço de mim, não sei qual, porque me ia desfazendo a cada sorriso, a cada palavra que trocávamos (disparávamos com uma vontade que se ansiava certeira, cada qual com as suas armas), eu inteira (
singularity), mas aos pedaços que ia
tentando
apanhar
pelo
caminho das palavras e dos olhares cheios de vontade de tanta coisa, das ondas cerebrais e dos multiversos, músicas,
binaural beats, frequências
hertz
que me soavam todas lá no fundo e se colavam como a gravidade puxa tudo para si,
irremediavelmente.
A parte que mordeste ficou em Luanda e quero ver se um dia vou aí buscá-la. Em alternativa a essa possibilidade (Heisenberg percebia isso) posso tentar viver sem esse pedaço ou ainda, como num procedimento estético, por um botox etéreo no coração (o coração regenera-se por si?) e esperar que, um dia, esse dia em Luanda tenha sido um sonho em que te guardo esperando
até que sejas noite e te possa sonhar outra vez.